Projeto de reestruturação das carreiras policiais civis deve extinguir mil cargos no Estado
DIAS CONTADOS - No Bom Retiro, 2.º DP é uma das oito delegacias da capital que ainda têm carceragem
A grade da delegacia se fecha e logo o prisioneiro grita: "Carcereiro, carcereiro". Tantas vezes repetida em filmes e novelas, essa pode virar uma cena do passado. Projeto de reestruturação das carreiras policiais civis de São Paulo acaba com sete das atuais 14 funções, incluindo a de carcereiro. Suas tarefas passarão a ser exercidas por um novo tipo de profissional, um polivalente que se chamará agente de polícia. A nova profissão uniria em uma só as funções do carcereiro, a do motorista e a do responsável pela telecomunicação.
O plano da Polícia Civil entregue à Secretaria da Segurança Pública prevê a extinção dos primeiros mil cargos de carcereiros. O projeto ficou pronto na semana passada, depois de quase sete meses de estudos. O documento foi feito em conjunto pela Delegacia-Geral com as entidades de classe da polícia - três delas resistem às mudanças apresentadas no projeto.
A transformação, porém, é apoiada por carcereiros. "Nós achamos o projeto muito bom. Ele dá dignidade aos carcereiros, uma carreira cujo valor sempre foi pouco reconhecido", disse Eraldo Faria, da Associação dos Carcereiros. Ele não se incomoda com o fim da mais antiga função policial do Estado. "Ela data do Brasil Colônia, quando havia as enxovias; então, quando o preso fugia, o carcereiro era obrigado a ficar em seu lugar como punição", conta Sérgio Roque, vice-presidente da Associação dos Delegados.
Existem 3 mil carcereiros no Estado. No passado, eles foram responsáveis por cadeias famosas, como a do Deic, na Rua Brigadeiro Tobias - desativada nos anos 1980. Era uma época em que até 250 presos dividiam celas para 40 homens. Havia rodízio para dormir. "Às vezes, os presos matavam seus colegas por causa do espaço", diz Faria.
Na literatura e na história, são comuns os carcereiros que tiranizam presos, espancando-os. Há os lenientes e os corruptos que barganham toda sorte de vantagens e favores, como os que compravam cigarros para o escritor Graciliano Ramos, na Ilha Grande. A memória dessas pessoas não abandona os prisioneiros. Foi, por exemplo, do nome de um carcereiro da Rússia czarista que o revolucionário Lev Bronstein tirou o pseudônimo Trotsky.
SEMPRE ALERTA
Afirmam os carcereiros que um bom profissional deve estar sempre atento e, se possível, ter um informante na prisão. Muito silêncio na cadeia pode significar que algo errado está sendo preparado: uma execução, um túnel ou uma rebelião. "Uma vez tive de sentar o aço para salvar um preso que estava sendo esfaqueado", conta o carcereiro Joaquim Machado, de 53 anos. Foi em 1998, no 8º Distrito Policial (DP), no Brás, no centro. Os tiros para o alto impediram o assassinato.
Em 25 anos de profissão, Machado lembra-se só de um preso que fugiu sob sua guarda. Mas ele o recapturou em 30 dias. "O cara abriu a algema e fugiu." Machado viu o surgimento de facções criminosas e o esvaziamento das celas das delegacias com a construção dos Centros de Detenção Provisória (CDP).
Hoje, ele trabalha em uma das oito delegacias para presos a caminho de CDPs: o 2º DP (Bom Retiro). Em três anos, mais de 21 mil homens passaram por ali. "Nunca tive medo, pois nunca me mancomunei com preso ou cometi injustiça. Nunca prometi o que não podia cumprir e jamais destratei a família do preso. Por isso, sempre fui respeitado." Agora, Machado aguarda a decisão do governo para saber se isso tudo vai se tornar passado.
Fonte: Estadão
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