terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Nordeste: 'Quem mata policial aqui vira herói', diz delegada

O blog Visões de um PM deixa aqui nossa humilde homenagem ao Sd PM José Cláudio de Jesus Souza, morto durante troca de tiros com infratores. Nosso reconhecimento àquele que deu sua vida em nome da segurança pública.

No Nordeste de Amaralina é assim: se correr o bicho pega, se ficar é bicho solto. Por lá, a violência não faz reféns só os envolvidos com a criminalidade ou os policiais que combatem o tráfico. Moradores inocentes ficam no fogo cruzado, o que vem alterando, sensivelmente, a rotina da comunidade. Cada vez mais organizado, o tráfico local adota estratégias para não perder o controle da área e da venda de drogas.

Na noite de domingo, quando oito PMs da 40ª Companhia de Polícia (Nordeste de Amaralina) foram à Rua Emídio Pio, na localidade do Boqueirão, checar uma denúncia anônima, houve troca de tiros com pelo menos dez bandidos que estavam escondidos em um beco. No confronto, o soldado José Cláudio de Jesus Souza, 37 anos, acabou morto com um tiro na cabeça. O corpo foi enterrado na segunda (30), no Cemitério do Campo Santo.

“Eles adotam estratégias. Bandido aqui sobe de posto e ganha mais poder até quando pega cadeia. Quem vai para o presídio, quando volta, chega com mais status. Aqui, quem mata policial vira até herói. Policial, aqui, tem valor”, explica a titular da 28ª DP (Nordeste de Amaralina), delegada Jussara Souza.

Fontes da coordenadoria de inteligência da Polícia Civil confirmam que os criminosos pagam recompensa por policial morto. O valor, de acordo com as investigações, pode chegar a R$ 20 mil.

Silêncio
Ainda segundo a delegada, há um voto de silêncio respeitado pelos moradores. “Eles acabam não colaborando com as investigações para que não se compliquem com os criminosos”, completou. Moradores confirmam que o silêncio ainda é o melhor remédio para que continuem morando no bairro, sem sofrer represálias da polícia e de criminosos. “Ninguém aqui quer ser chamado de x-9. Quem sabe demais aqui morre. Ou é expulso e não pode mais voltar. Vivemos entre a cruz e a caldeirinha. Não vejo a hora de sair daqui. É barril”, diz uma moradora, que, com medo, prefere não se identificar.

Segundo um soldado da 40ª CIPM, que também não quis se identificar, os traficantes controlam a circulação de pessoas no bairro. Ele contou que foram espalhados cartazes proibindo o uso de capacetes por motociclistas. “Só quem tem autorização para circular é o pessoal que vai de carrão comprar droga. A gente sempre vê meninas bem novas e ‘filhinhos de papai’”.

Controle
Há três meses, o motorista André de Jesus, amigo de José Cláudio, foi levar o policial de moto até o posto da 40ª CIPM. Como ele estava de capacete, foi abordado quando saía do Nordeste de Amaralina para voltar a Itinga, em Lauro de Freitas, onde mora. “Colocaram um revólver em minha cara e perguntaram o que eu estava fazendo lá. Disse que fui visitar uma tia e eles me liberaram”, lembrou.

Segundo o funcionário de uma oficina mecânica, a localidade do Boqueirão é uma das mais perigosas e concentra o maior número de criminosos. Por lá, diz ele, bandidos a cavalo confrontam a polícia. “Eles usam também os becos. O conhecimento da geografia do local é um ponto a favor dos criminosos. E quem desobedece não costuma ficar para contar a história”, conta.

A ação policial que provocou a morte do soldado foi motivada pela denúncia anônima deummorador da localidade, segundo a qual um grupo de traficantes montados a cavalos circulava pela Rua Emídio Pio. Contudo, o major Gildemar Gualberto, comandante da 40ª , disse que não havia bandidos a cavalo no momento do tiroteio.

Encurralado
Foi no Boqueirão que, em setembro, o porteiro Vivaldo Souza Brandão, 55, que caminhava pelo local, ficou encurralado no fogo cruzado entre policiais e criminosos. Ele acabou atingido na perna esquerda.

Na mesma localidade, o dono de uma videolocadora foi morto por traficantes por não acatar as ordens. A loja está fechada. “Ele era obrigado a guardar drogas para os bandidos. Um dia, não devolveu o material e foi morto. Aqui é assim. Ou obedece ou obedece”, conta um morador.

Para que as investigações sejam concluídas, a polícia tenta mudar alguns procedimentos. Em casos de lesão, por exemplo, as vítimas acabam não fazendo o exame de corpo de delito, evitando que a investigação prossiga. “Por isso, agora não encaminhamos mais as vítimas para o InstitutoMédico-Legal (IML). Quando chega a informação, expedimos a guia e conduzimos a vítima até o local do exame”, explica a delegada Jussara, acrescentando que 98% dos casos de homicídio registrados na unidade têm como envolvidos pessoas ligadas ao tráfico.

O major Gildemar Gualberto explicou que a maior parte das apreensões feitas pela polícia é de crack. “A venda de crack cresceu muito. Depois vem a de cocaína”. Ele revelou que as apreensões de uma droga chamada pitilho, mistura de crack com maconha, também cresceu muito.

Policiais da 40ª Cia., da 28ª Delegacia e da Rondesp realizaram ontem ações na região para tentar prender os bandidos. Quatro homens foram presos no Vale das Pedrinhas. A polícia acredita que eles podem dar pistas sobre os envolvidos no tiroteio.

Boqueirão, local mais perigoso
Para a polícia e para os moradores, a localidade do Boqueirão é a mais perigosa do Nordeste de Amaralina - bairro que tem cem mil habitantes em uma área de 9km². Só este ano, dois exemplos são lembrados por ambas as partes como casos emblemáticos, que representam exatamente como é viver entre o fogo cruzado.

No dia 29 de julho, quatro homens foram mortos, depois que o tenente Bruno Pimentel Garreeq foi atingido por um tiro na coxa. Ele participava de uma operação no Nordeste quando foi atingido. Policiais da Rondesp iniciaram então a caçada aos criminosos. Durante a operação, os PMs acuaram três suspeitos, que invadiram a casa da aposentada Iolanda Carvalho, que morava na Rua Sucupira, no bairro vizinho de Santa Cruz. Eles tentaram se esconder em um dos cômodos, mas acabaram mortos em suposto confronto.

Dois dias depois, dona Iolanda teve sua casa incendiada por traficantes. Os criminosos agiram em represália ao rompimento do voto de silêncio. Segundo o major da Polícia Militar Gildemar Gualberto, os criminosos atiraram em um dos cadeados do portão que levava para a parte de cima, mas não conseguiram arrebentá- lo. “Então, atearam fogo à casa”, contou o comandante da ação que resultou nas três mortes.

‘A bandidagem está destruindo as nossas vidas’
“Meu coração está partido e não sei se vou conseguir juntar os pedaços. A bandidagem e o tráfico estão crescendo e destruindo nossas nossas vidas”. O desabafo é de Adileia Santana, 38 anos, viúva do soldado da PM José Cláudio de Jesus Souza, morto durante troca de tiros com traficantes no Nordeste de Amaralina.

A perda de Adileia é fruto de um problema apontado por comandantes da Polícia Militar em todo o estado: enquanto o poder dos traficantes cresce, o aparato policial continua o mesmo. “Precisamos de cerca de 3,5 mil novos policiais por ano, novos equipamentos e principalmente novas viaturas. Se não fizermos isso não diminuiremos a criminalidade”, disse o coronel Mozart Lima, comandante do policiamento regional da capital.

O major Gildemar Gualberto, comandante da 40ª Companhia de Polícia (Nordeste de Amaralina), concorda com Mozart. “Precisamos de mais policiais. Há muitos pontos de tráfico no Nordeste e a disputa pelo controle das bocas é violenta”.

Policial militar há 17 anos e há cinco lotado na 40ª, José Cláudio sentia no dia-a-dia do trabalho os problemas no combate ao tráfico na região. Ele comentava com amigos de Itinga, em Lauro de Freitas, onde morava, que a criminalidade estava crescendo no Nordeste de Amaralina. “Cláudio nos contava que os traficantes andam armados pela rua e que sempre tem tiroteio”, lembrou o motorista André de Jesus, amigo de infância. Colegas de farda homenagearam José Cláudio.

Quando o cortejo seguiu ao local do sepultamento, carros e motocicletas da PM ligaram as sirenes e policiais cantaram o hino da corporação, chamado Força invicta. Em seguida houve uma salva de três tiros. O soldado foi sepultado sob o toque fúnebre de um corneteiro da PM e sob os gritos da viúva. “Deus que ressucitou Lázaro, por favor ressucite Cláudio agora”.

Traficantes fazem rondas a cavalo
O cenário é típico de um filme de bangue-bangue americano, mas não há mocinhos, e os bandidos não disputam o amor de uma donzela, mas o controle de bocas-de-fumo. Esta é a situação do Nordeste de Amaralina, bairro transformado por traficantes de drogas em uma espécie de Velho Oeste da periferia.

Armados e montados em cavalos, esses caubóis do tráfico circulam pelas ruas e vielas controlando com mão de ferro o cotidiano da população do bairro. Umsoldado da 40ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM), no Nordeste, que não quis se identificar, disse que os cavalos facilitam o deslocamento dos traficantes pelas ruas do bairro, em sua maioria estreitas.

“Sempre nós vemos traficantes armados montados em cavalos andando pelo bairro. Eles se deslocam com mais facilidade pelas vielas e conseguem fugir da polícia com mais rapidez, já que a viatura não entra em todas as ruas”, explicou.

Soldado é o 19º policial morto em 2009
Já foram assassinados 19 policiais militares na Bahia este ano. No entanto, o soldado José Cláudio de Jesus Santos é o segundo PM morto em combate, segundo a assessoria de comunicação da Polícia Militar. Os outros estavam fora de serviço.

José Cláudio é o terceiro PM assassinado em menos de 15 dias na Bahia. No dia 22 de novembro, o aluno do curso de oficiais da Academia da Polícia Militar Elton da Silva Mota, 23, foi executado na Avenida Régis Pacheco, no Uruguai.Umdia antes, o PM José Ferreira dos Santos, 29, foi morto durante um assalto a um ônibus que fazia a linha Salvador/Rio Real, na BA-093, município de Pojuca, a 67km de Salvador.

Fonte: Correio

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