Quem transita pela capital paulista é gravado por mais de 100 câmeras diferentes, desde o elevador de seu prédio, aos cruzamentos de avenidas, à lojinha da esquina, à plataforma do metrô e até à mesa de trabalho. É tanta filmagem que daria para montar um longa-metragem diário e individual, tão arrastado como um filme iraniano e tão previsível como um blockbuster norte-americano.
Um reality show às avessas: 41 milhões de protagonistas e só poucas centenas de espectadores.
Centro de monitoramento da Praia Grande controla o movimento no centro da cidade litorânea
Essa pode ser a definição do monitoramento eletrônico no Estado de São Paulo, que deve chegar até o final do ano com um milhão de câmeras de segurança (50% está na região metropolitana). A grande maioria está em mãos privadas.
Esse número foi projetado pela Abese (Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança), com base nas vendas em 2009. E deve causar arrepio em quem tem mania de perseguição, mas a polícia prefere não pensar nisso.
"No começo, achei que poderia provocar uma paranoia, mas na verdade houve muita aceitação e poucas críticas", comenta Dalmo Álamo, superintendente de operações da Guarda Civil Metropolitana, que aponta 83 câmeras para vigiar o centro de São Paulo.
Suas lentes têm capacidade de zoom de um quilômetro para afastar ladrões, traficantes e camelôs. "Com essa capacidade poderíamos entrar pela janela dos apartamentos particulares, mas cada operador tem uma senha e um supervisor, para evitar qualquer desvio na função e quebra de privacidade", completa Álamo, que aponta a redução em 50% nos locais filmados.
Centro de monitoramento da Praia Grande controla o movimento no centro da cidade litorânea
Essa pode ser a definição do monitoramento eletrônico no Estado de São Paulo, que deve chegar até o final do ano com um milhão de câmeras de segurança (50% está na região metropolitana). A grande maioria está em mãos privadas.
Esse número foi projetado pela Abese (Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança), com base nas vendas em 2009. E deve causar arrepio em quem tem mania de perseguição, mas a polícia prefere não pensar nisso.
"No começo, achei que poderia provocar uma paranoia, mas na verdade houve muita aceitação e poucas críticas", comenta Dalmo Álamo, superintendente de operações da Guarda Civil Metropolitana, que aponta 83 câmeras para vigiar o centro de São Paulo.
Suas lentes têm capacidade de zoom de um quilômetro para afastar ladrões, traficantes e camelôs. "Com essa capacidade poderíamos entrar pela janela dos apartamentos particulares, mas cada operador tem uma senha e um supervisor, para evitar qualquer desvio na função e quebra de privacidade", completa Álamo, que aponta a redução em 50% nos locais filmados.
Ele chama de hot spot (pontos quentes) os cenários gravados. Em 2010, mais 135 deles entrarão no sistema, que deve ser integrado com o da Polícia Militar e CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). E a tendência é migrar das objetivas para a periferia da cidade. "O videomonitoramento cria ilhas de segurança. O delito muda para outro lugar. E é para lá que mandamos nossos policiais", explica o superintendente.
Câmera na entrada de igreja do Calvário, na zona oeste de São Paulo, tenta intimidar ladrões
É obrigatório o paralelo com o livro "1984", do escritor britânico George Orwell, que relata uma sociedade totalitária controlada pelo Big Brother (líder fictício cujo nome batizou o programa mundial de TV) por meio de "teletelas". O personagem principal escreve seu diário no único quarto que escapou do monitoramento estatal.
O próprio sistema de circuito interno de vídeo foi criado em 1942 na Alemanha nazista, desenvolvido em parte pela empresa Siemens e usado durante a Segunda Guerra Mundial para observar o lançamento dos foguetes V-2.
"Em um Estado brando como o nosso, as câmeras servem para segurança, mas em um governo policialesco poderiam servir para o controle político, assim como outras tecnologias", analisa Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia da USP (Universidade de São Paulo) conhecido por suas opiniões sobre temas sobre violência.
O parâmetro de Estado policial também é germânico: a Stasi, polícia política da Alemanha Oriental, com 90 mil agentes infiltrados plantando câmeras e microfones nas casas e minutando o dia-a-dia dos potenciais opositores. Segundo Mário Louzã, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, a combinação de tecnologias pode aumentar a sensação persecutória. "Colocar CPF nas notas fiscais ou rastreadores em carros geram mais informação sobre as pessoas do que as câmeras de segurança", afirma.
Já para Janine, a tecnologia é um instrumento que não gera poder, mas aumenta o poder de quem maneja esses vídeos - a maioria em mãos privadas. "A sociedade aceita porque essas câmeras criam uma sensação de segurança, mas é preciso estabelecer limites. Acho que as filmagens por celular podem ser perigosas, afinal, na maioria das vezes é difícil saber quem é o autor", opina o filósofo.
De acordo com o advogado especialista em direito público Carlos Ari Sundfeld, ainda é necessária uma regulamentação para as empresas de segurança, as grandes detentoras de tantas imagens. "São verdadeiras guardas privadas que cresceram muito nos últimos anos. É preciso criar regras para a gravação, armazenamento e apagamento dessas imagens."
Um exemplo disso é a empresa de segurança privada Haganá, que monitora 800 condomínios e 300 indústrias em São Paulo - chega a ter 100 câmeras em um único prédio. "Adotamos o conceito israelense de defesa: a guerra é da fronteira para fora. Por isso, as imagens têm que se concentrar na calçada do prédio, onde está nosso inimigo", define José Antonio Caetano, diretor comercial da empresa. Haganá, que significa "proteção" em hebraico, tem como diretor operacional José Bernardes Markuz, que serviu no exército de Israel.
Câmera na entrada de igreja do Calvário, na zona oeste de São Paulo, tenta intimidar ladrões
É obrigatório o paralelo com o livro "1984", do escritor britânico George Orwell, que relata uma sociedade totalitária controlada pelo Big Brother (líder fictício cujo nome batizou o programa mundial de TV) por meio de "teletelas". O personagem principal escreve seu diário no único quarto que escapou do monitoramento estatal.
O próprio sistema de circuito interno de vídeo foi criado em 1942 na Alemanha nazista, desenvolvido em parte pela empresa Siemens e usado durante a Segunda Guerra Mundial para observar o lançamento dos foguetes V-2.
"Em um Estado brando como o nosso, as câmeras servem para segurança, mas em um governo policialesco poderiam servir para o controle político, assim como outras tecnologias", analisa Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia da USP (Universidade de São Paulo) conhecido por suas opiniões sobre temas sobre violência.
O parâmetro de Estado policial também é germânico: a Stasi, polícia política da Alemanha Oriental, com 90 mil agentes infiltrados plantando câmeras e microfones nas casas e minutando o dia-a-dia dos potenciais opositores. Segundo Mário Louzã, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, a combinação de tecnologias pode aumentar a sensação persecutória. "Colocar CPF nas notas fiscais ou rastreadores em carros geram mais informação sobre as pessoas do que as câmeras de segurança", afirma.
Já para Janine, a tecnologia é um instrumento que não gera poder, mas aumenta o poder de quem maneja esses vídeos - a maioria em mãos privadas. "A sociedade aceita porque essas câmeras criam uma sensação de segurança, mas é preciso estabelecer limites. Acho que as filmagens por celular podem ser perigosas, afinal, na maioria das vezes é difícil saber quem é o autor", opina o filósofo.
De acordo com o advogado especialista em direito público Carlos Ari Sundfeld, ainda é necessária uma regulamentação para as empresas de segurança, as grandes detentoras de tantas imagens. "São verdadeiras guardas privadas que cresceram muito nos últimos anos. É preciso criar regras para a gravação, armazenamento e apagamento dessas imagens."
Um exemplo disso é a empresa de segurança privada Haganá, que monitora 800 condomínios e 300 indústrias em São Paulo - chega a ter 100 câmeras em um único prédio. "Adotamos o conceito israelense de defesa: a guerra é da fronteira para fora. Por isso, as imagens têm que se concentrar na calçada do prédio, onde está nosso inimigo", define José Antonio Caetano, diretor comercial da empresa. Haganá, que significa "proteção" em hebraico, tem como diretor operacional José Bernardes Markuz, que serviu no exército de Israel.
A guarita blindada é o QG do prédio. O porteiro (ou controlador de acesso, como eles preferem chamar) é funcionário deles e não pode ser visto nem pelos moradores. Se deixa aberta a porta da guarita ou permite a entrada de alguém, é repreendido via rádio pelos operadores de monitoramento a quilômetros de distância. "Outro dia, um rapaz estranho entrou na guarita do prédio do [piloto de F-1] Felipe Massa. Acionamos nossas viaturas, mas depois descobrimos que era um pedreiro", conta Caetano.
O procedimento padrão, tanto em órgãos públicos quanto em empresas privadas, é apagar automaticamente as imagens armazenadas após um período que vai de uma semana a um mês. Em geral, apenas um encarregado tem acesso a esse conteúdo durante esse tempo.
Contudo, o ponto mais frágil do processo e que pode gerar o vazamento de imagens por parte de hackers é a conexão das câmeras para as centrais de monitoramento. Em geral, é feita por banda larga. No caso do Metrô é diferente: como a companhia de transporte tem uma rede física, utiliza fibra ótica para a transmissão de vídeos.
Para Janine, essa vasta profusão de câmeras atualmente causou o surgimento das "imagens-lixo". "São vídeos sem informação, sem interesse. É impossível ver tudo isso tamanha a profusão de imagens."
Richard Pereira comprova diariamente isso. Ele é supervisor do Centro de Controle da Segurança do Metrô e comanda três operadores. O quarteto é encarregado de monitorar 948 câmeras, número que vai chegar a 1.400 no ano que vem. Um volume de pessoas entre catracas, corredores, vagões e plataformas desfilam diante deles durante as oito horas de expediente, acionando via rádio quando algum imprevisto acontece.
"Os trens e os passageiros seguem linhas retas. Qualquer movimentação diferente chama a atenção. Dessa forma podemos controlar tantas câmeras", passa a receita Pereira, que trabalha há 21 anos no metrô, que desde a inauguração em 1974 tem um sistema de TV interno. Só na estação Sé, há 35 lentes para acompanhar 750 mil pessoas que passam diariamente por lá.
Muitas dessas imagens, porém, acabam nos telejornais, como parte dos "giros de reportagem" e "show de imagens", como a do bebê que caiu nos trilhos na Austrália ou a bêbada que quase foi atropelada nos EUA. "Antes as câmeras eram caras e estavam na mão de poucos. Hoje, a mídia tem que lidar com essas imagens que não são produzidas por ela", afirma Laurindo Leal Filho, professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Para Leal, um dos reflexos da enxurrada dessas imagens no noticiário é as pessoas se acostumaram com a estética desbotada e desenquadrada dessas câmeras. "Durante 30 anos o brasileiro foi condicionado com o tal padrão Globo de qualidade, mas essa profusão de câmeras e a internet derrubaram isso. As pessoas querem o conteúdo desses flagrantes. Acho que até por isso a TV digital não emplacou por aqui. As pessoas não querem ver o fio da bolinha de tênis, querem ver imagens que tragam informação, mesmo com a baixa qualidade dessas câmeras de segurança", analisa.
Fonte: Uol Notícias.
O procedimento padrão, tanto em órgãos públicos quanto em empresas privadas, é apagar automaticamente as imagens armazenadas após um período que vai de uma semana a um mês. Em geral, apenas um encarregado tem acesso a esse conteúdo durante esse tempo.
Contudo, o ponto mais frágil do processo e que pode gerar o vazamento de imagens por parte de hackers é a conexão das câmeras para as centrais de monitoramento. Em geral, é feita por banda larga. No caso do Metrô é diferente: como a companhia de transporte tem uma rede física, utiliza fibra ótica para a transmissão de vídeos.
Para Janine, essa vasta profusão de câmeras atualmente causou o surgimento das "imagens-lixo". "São vídeos sem informação, sem interesse. É impossível ver tudo isso tamanha a profusão de imagens."
Richard Pereira comprova diariamente isso. Ele é supervisor do Centro de Controle da Segurança do Metrô e comanda três operadores. O quarteto é encarregado de monitorar 948 câmeras, número que vai chegar a 1.400 no ano que vem. Um volume de pessoas entre catracas, corredores, vagões e plataformas desfilam diante deles durante as oito horas de expediente, acionando via rádio quando algum imprevisto acontece.
"Os trens e os passageiros seguem linhas retas. Qualquer movimentação diferente chama a atenção. Dessa forma podemos controlar tantas câmeras", passa a receita Pereira, que trabalha há 21 anos no metrô, que desde a inauguração em 1974 tem um sistema de TV interno. Só na estação Sé, há 35 lentes para acompanhar 750 mil pessoas que passam diariamente por lá.
Muitas dessas imagens, porém, acabam nos telejornais, como parte dos "giros de reportagem" e "show de imagens", como a do bebê que caiu nos trilhos na Austrália ou a bêbada que quase foi atropelada nos EUA. "Antes as câmeras eram caras e estavam na mão de poucos. Hoje, a mídia tem que lidar com essas imagens que não são produzidas por ela", afirma Laurindo Leal Filho, professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Para Leal, um dos reflexos da enxurrada dessas imagens no noticiário é as pessoas se acostumaram com a estética desbotada e desenquadrada dessas câmeras. "Durante 30 anos o brasileiro foi condicionado com o tal padrão Globo de qualidade, mas essa profusão de câmeras e a internet derrubaram isso. As pessoas querem o conteúdo desses flagrantes. Acho que até por isso a TV digital não emplacou por aqui. As pessoas não querem ver o fio da bolinha de tênis, querem ver imagens que tragam informação, mesmo com a baixa qualidade dessas câmeras de segurança", analisa.
Fonte: Uol Notícias.
Um comentário:
Parabéns pela matéria
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