"Rio de Janeiro, em 11 de novembro de 2007.
Ilmo Sr Philip Alston.
DD Relator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre execuções arbitrárias, sumárias ou extra-judiciais.
Como cidadão brasileiro e morador da cidade do Rio de Janeiro, gostaria de externar minha perplexidade e preocupação diante do êxito das táticas aparentemente aplicadas pela administração Sérgio Cabral para desviar o foco das discussões ora vigentes acerca da 'política de segurança' empregada no estado.
Ao promover a polarização das atividades de direitos humanos e da polícia, ela encobre, no mínimo, duas coisas: a sua própria responsabilidade (accountability - não falo de culpa) pelas sucessivas e recorrentes mortes de policiais e de inocentes (também não estou sequer mencionando os supostos criminosos) e a possibilidade de que a visita do relator pudesse se prestar ao carreamento de denúncias pela própria polícia contra a administração Cabral.
Imagino o que deve ter passado por sua mente ao receber, em detrimento de pauta de denúncias e reivindicações, a réplica de um blindado.
Embora não esteja certo de que terá acesso às presentes linhas, gostaria de pleitear o carreamento à Organização das Nações Unidas de alguns poucos, porém significativos, fatos do cotidiano das forças policiais do RJ e cuja responsabilidade não é dos criminosos, mas sim, da própria administração Sérgio Cabral.
Há discrepância significativa no que concerne à remuneração e jornada de trabalho imposta aos integrantes das polícias civil e militar, tendo estes condições ainda mais desfavoráveis do que aqueles. Há hipóteses ordinárias em que policiais militares chegam a ter jornada semanal superior a 70 (setenta) horas e tal fato tende a agravamento quando da realização de grandes eventos, diante de seu emprego mesmo durante o que seria período de recomposição fisiológica. Quanto à remuneração, o topo da Polícia Civil chega a receber mais de que 1500 % do que a base da Polícia Militar, que ostenta os piores salários do Brasil.
A manutenção das Unidades de Polícia Militar é feita com a mesma parcela do erário destinada à alimentação de seus homens e mulheres, ou seja, com a "economia de rancho". Não há dotação orçamentária específica.
O estado do RJ é devedor do sistema de saúde da Polícia Militar em mais de US$ 50.000.000,00, concorrendo de maneira significativa para a debilidade do atendimento à crescente demanda.
Um soldado de polícia militar em início de carreira recebe do estado do RJ como paga mensal por seus serviços pouco mais de US$450,00. Recentemente, o simples e democrático intento de realização de passeata de protesto contra os baixos salários foi rechaçada - com êxito - pelo governo Sérgio Cabral com a possibilidade de imposição de sanções disciplinares aqueles que dela tomassem partido.
Apesar de seu grande efetivo e de sua abrangência territorial, os serviços prestados pelos policiais militares são limitados pela necessidade de preservação de status quo da classe policial de delegados de polícia, não sendo franqueada aos mesmos pelo governo Sérgio Cabral sequer a possibilidade de condução direta à justiça das demandas criminais de menor potencial ofensivo. Não por acaso, a perícia criminal, fundamental à elucidação de delitos, também é mantida sob tutela dos delegados de polícia.
As taxas de elucidação de delitos pela Polícia Civil, embora existentes, são mantidas sob absoluto sigilo. Na única oportunidade em que foram divulgadas, eram próximas de zero.
As atividades investigativas da Polícia Civil são cada vez mais revestidas de ostensividade e é usual a concessão de seguidas entrevistas por investigadores sobre casos que sequer lograram encaminhamento definitivo ao Ministério Público. Investigadores de verdade deveriam utilizar coletes com inscrições e veículos caracterizados com o nome 'POLÍCIA'?
A Polícia Militar também é cada vez mais afastada de seu mister principal; a prevenção/dissuasão da delinqüência e a disseminação de sensação de segurança dá lugar ao emprego eminentemente bélico, em ações de natureza militar e sob a concepção simplória de 'guerra contra o crime'.
Paradoxalmente, a criminalidade de pequena monta, e.g., jogo do bicho, permanece, mesmo a despeito das reconhecidas ligações que tem com práticas lesivas outras, imersa na mais flagrante impunidade. Os delitos e as infrações de trânsito também se apresentam cada vez mais freqüentes e, não por coincidência, olvidados pela polícia.
Alheio às suas responsabilidades em relação às condições de trabalho e mesmo à vitimização de seus policiais e civis, o governo do estado restringe sua falação ao impactante e recorrente discurso do 'combate ao crime' e mais inocentes são vitimados, inclusive, dentre os próprios operadores finais da 'política de segurança' do RJ.
Em síntese bastante apertada, estes são alguns dos pontos dos quais emerge a verdadeira espiral da violência na qual se inserem - e da qual são vítimas - os organismos policiais do estado do RJ.
Respeitosamente,
"WANDERBY BRAGA DE MEDEIROS"
Fonte: Via E-mail