segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Fantástico mostra a atuação dos novos cangaceiros

Criminosos atuaram nessa semana em Pedra Branca (CE). Cangaceiro preso explica como atacar carros fortes.

A atuação de quadrilhas de ladrões fortemente armadas em pequenas cidades do interior do Brasil, como aconteceu nesta semana durante o roubo simultâneo a dois bancos em Pedra Branca (CE), vem sendo comparada aos tempos de Lampião, o rei do Cangaço. O Fantástico ouviu policiais e um professor da Universidade de Brasília que vêm semelhanças nos atos dos atuais criminosos com o velho cangaço.
Os atuais criminosos sempre agem fortemente armadas e têm como alvo principal as pequenas cidades do interior onde a segurança pública é muito frágil.

Em Pedra Branca, sertão do Ceará, esta semana, bandidos armados com fuzis tomaram as ruas, fizeram reféns e assaltaram dois bancos ao mesmo tempo. “Muito medo, muito medo porque eu nunca tinha visto nem arma, o tanto que eu vi”, disse o aposentado Chico Miguel.
“Eles costumam chegar de surpresa, dominam a força policial local e partem para a ação, voltada para as agências bancárias daquela cidade”, explica o delegado Wanderson da Silva. Só esta semana, além do assalto em Pedra Branca, os novos cangaceiros atacaram em Canarana (MT) e Santa Bárbara (BA). São várias quadrilhas que atuam da mesma forma. Escolhem cidades com cerca de 20 mil habitantes e segurança frágil. Chegam com artilharia pesada, capaz de derrubar até um avião. A polícia não tem como reagir.

“Geralmente, o armamento é terceirizado de outras quadrilhas, e eles atuam de uma forma muito bem coordenada, como se fosse uma ação empresarial. Planejam, organizam, têm foco”, aponta o sociólogo da Universidade de Brasília, Antônio Flávio Testa.

O sociólogo compara a tática de cercar e saquear cidades do interior com a ação dos antigos cangaceiros, liderados por Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião. Nas décadas de 1920 e 190, Lampião e seu bando eram rebeldes com motivações políticas, mas que também roubavam, matavam e violentavam mulheres. “Eles levavam de fato o terrorismo”, diz Testa.

Os cangaceiros do século 21 também espalham o medo. Nova Mutum (MT) viveu um dia de pânico em fevereiro do ano passado, como mostrou a reportagem do Fantástico. Cerca de 60 pessoas que estavam no banco foram usadas como escudo humano. É mais uma característica desse tipo de assalto. “As ações desse grupo causam um grande trauma às localidades em que atuam”, diz o procurador de Justiça de Minas Gerais André Ubaldino.

O Fantástico foi a Pedra Branca, município a 260 quilômetros de Fortaleza. Durante a ação, os assaltantes praticamente fecharam a cidade durante uma hora. Ninguém entrava e ninguém saía. O comércio teve que baixar as portas. “Com medo de levar um tiro, né? Baixamos as portas e ficamos trancados aqui dentro”, lembra o vendedor Lucas Barros.

Na terça-feira (5) era dia de pagamento. Os bancos estavam lotados. Imagens de um cinegrafista amador mostram um dos 15 assaltantes, de capuz e fuzil, cercado de reféns. Enquanto a agência era roubada, e as pessoas mantidas reféns, parte da quadrilha agia na mesma rua, a poucos metros dali. Os ladrões roubaram os dois bancos da cidade, ao mesmo tempo.

“Eu achava que tinha chegado a minha hora, que não tinha mais jeito”, conta a professora de educação física Eliane de Abreu. Ao todo, 19 pessoas ficaram sob a mira dos bandidos, como reféns. A professora foi uma delas: “Eles já entraram anunciando o assalto, que todo mundo deitasse no chão”. Ela tentou fugir. Mas logo foi recapturada. “Eu lembrava primeiro de Deus e depois da minha filha”, conta.

Foram mais de 50 tiros, dizem os moradores. Pedra Branca só tem nove policiais, somando civis e militares. Ninguém quis dar entrevista. “A polícia não tem arma para lutar com uns bandidos daqueles”, destaca o aposentado Chico Miguel.

As quadrilhas têm usado nos assaltos metralhadoras e fuzis .50, que entrariam pela Bolívia e pelo Paraguai. Foi uma arma do mesmo calibre que derrubou o helicóptero da Polícia Militar no Rio de Janeiro, há três meses.

Cangaceiro

Cláudio Alves da Costa, preso mês passado, é um dos novos cangaceiros suspeitos de trazer esse tipo de armamento. Com tamanho poder de fogo, eles também estão se especializando em outro tipo de ataque.

“Em nossas investigações, em conjunto com a Polícia Civil e o Ministério Público de Minas Gerais, ficou evidenciado que quadrilheiros atuam no roubo aos carros-fortes aqui no estado, e também em outros estados da federação”, avisa o delegado Wanderson da Silva. Minas Gerais já prendeu 52 cangaceiros nos últimos cinco anos. Entre eles, João Ferreira Lima, um homem que diz ter ligações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ele matou o senador Olavo Pires, de Rondônia, há 20 anos.

Com frieza, o bandido revela como atirava em carros-fortes: “Primeiro dá um tiro no motor, na frente do motor, e fura o motor para ele parar. Depois você mira e dá no canto do vidro. Não mira no meio do vidro, porque quando você mira no meio do vidro pega no peito do motorista. Então, você acerta em cima para ele saber que perfurou, para ele ter a ciência que perfurou. Enquanto para, aí o pessoal desce, vai lá e manda abrir”, revela.

A polícia prendeu João Ferreira Lima em fevereiro do ano passado, em Tocantins. No carro, uma metralhadora antiaérea e munição. Ele planejava roubar uma tonelada de ouro na Venezuela. Foi condenado a 113 anos de prisão por roubo, sequestro e assassinato. Em 2009, os novos cangaceiros agiram em onze estados, principalmente no Maranhão, e roubaram pelo menos R$ 5 milhões.

“Eles crescem porque o mercado é potencialmente muito rico. No Brasil, que é um país que tem 5564 cidades, você tem milhares de cidades que têm dificuldades operacionais, principalmente no que se refere à segurança pública”, afirma o sociólogo.

Em Pedra Branca, os criminosos levaram cerca de R$ 500 mil, de acordo com a polícia. Duas pessoas ficaram feridas e dois suspeitos foram presos. Os aposentados estão desde terça-feira sem receber o dinheiro do mês. As agências só reabrem nesta segunda-feira.

“Eu moro a 49 quilômetros e agora eu fico parado aqui, até segunda-feira. Sei nem se tem segunda-feira, né?”, reclama o aposentado Evaristo Pereira. A paz da cidade de 42 mil habitantes deu lugar ao medo. “Estou assustada com tudo, tomando remédio.Tão cedo não vou ao banco. Não sei se eu tenho coragem”, diz a professora de educação física Eliane de Abreu.
Fonte: G1

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